domingo, 4 de setembro de 2016

Vida cristã: Aflições ao caminhar


Por Jarivelton Rangel


“Tenho-vos dito isto, para que em mim tenhais paz; no mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo, eu venci o mundo.”
João 6:33

No capítulo 16 do evangelho de João, Jesus fala aos seus discípulos sobre o momento em que Ele voltaria para o Pai, fala abertamente sobre coisas que eles ainda não podiam discernir tão bem, mas que mais tarde entenderiam, lhes fala sobre perseguições, expulsão de sinagogas e até morte, tudo causado pela anunciação do evangelho.

No capítulo 15 Cristo já lhes havia falado sobre o mundo o odiar, e consequentemente odiar aqueles que Ele enviaria, nisto o capítulo 16 termina falando sobre as aflições que teriam em suas vidas, não só a respeito da tristeza que sofreriam no período de sua morte até então vê-lo ressuscitado, mas aflições que se estenderiam por toda a vida, pois ser discípulo de Jesus não significa estar isento das aflições.

Ter aflições neste mundo é uma realidade para todos, seja cristão ou não, mas aquele que entrega sua vida a Jesus é convidado a que esteja em paz e tenha bom ânimo, pois Cristo venceu o mundo.

Ter aflições é passar por tristezas, preocupações, angustias e ansiedades, mas todas estas já foram vencidas por Cristo, e em saber que o Cordeiro de Deus venceu a morte, ressuscitou, nos concedeu sua graça nos conduzindo a redenção, faz com que ainda que caminhado tristes em alguns momentos, angustiados por situações da vida e sofrendo as pressões do existir, estejamos em paz em nosso coração e em bom ânimo em nosso espírito.

Momentos difíceis virão, e nestes momentos de sofrimento, dor e choro, devemos nos agarrar em Jesus Cristo, no cuidado para com o nosso existir neste mundo, nos seus ensinos e promessas de vida eterna, na sua graça que nos enche de esperança e gratidão. Caminhar com Cristo estende nossa visão para além desta vida, sabendo que enquanto aqui a sua mercê nos sustenta, daqui para a eternidade o que nos aguarda é estar para sempre com aquele que nos ama, e seu amor nos concede forças meio as aflições do caminhar.

Seja nas perseguições enquanto praticando a vida cristã e anunciando o evangelho, seja nas coisas comuns da vida, neste mundo teremos aflições, pois angustias e ansiedades nos rodeiam e por vezes nos alcançam e em momentos parecem tirar a força do caminhar. Olhar ao redor, fazer uma análise da vida, em momentos concluir que propósitos e objetivos ainda não foram alcançados apesar de tanto tempo já ter passado, nos localizarmos no espaço tempo da vida e parecer que nossa existência não tem tido relevância para o que realmente importa, ou que sejam dificuldades em se encaixar profissionalmente diante do estado caótico de nossa economia, onde o peso de nossas responsabilidades aumentam e a solução está a perder de vista, ou seja até mesmo situações de saúde que fazem com que nos sintamos tão fracos e impotentes enfim, Deus não nos isenta em nada da experiência de existir, mas Ele nos garante que Nele, está a paz que necessitamos para viver.

O que importa é olhar para Cristo Jesus, viver centrados em sua verdade e meditando em sua palavra e ensino, não pensando que enquanto cristãos não deveríamos ter momentos ruins e muito menos pensar que não podemos ter tristezas, dores, angustias e ansiedades, ou viver acreditando que tudo tem que dar certo todo o tempo.
Nunca se entregue as dificuldades e nem desista meio a elas, não se desespere ou pense estar só, é comum nesta vida termos dias maus, isto não significa ser menos abençoados ou que esteja sem fé, tudo tem o seu tempo, momentos vem e vão, as coisas na vida mudam e será sempre assim, mas o que nunca muda e Jesus Cristo em nós e sua palavra que permanece para sempre.

Deus nos abençoe e bom caminho!

Jarivelto Rangel é o Administrador e
Escritor do Literatura Teológica

sábado, 27 de fevereiro de 2016

Jejuar é preciso? Qual sua importância?


Por Jarivelton Rangel


“Disseram-lhe, então, eles: Por que jejuam os discípulos de João muitas vezes, e fazem orações, como também os dos fariseus, mas os teus comem e bebem?"
Lucas 5:33

Jejuar nem sempre é uma prática entendida no meio cristão, por que devemos jejuar?No texto acima Jesus responde aos discípulos de João que enquanto Ele estivesse junto dos seus discípulos, não seria necessário que eles jejuassem, Jesus com sua fala nos ensina que a prática do jejum não é simplesmente se abster de alimentos, mas vai além disso.

Os fariseus sempre buscavam se justificar por meio de suas práticas religiosas, mas jejum não é um ritual religioso, é algo pessoal, é entre quem jejua e Deus.


”E, quando jejuardes, não vos mostreis contristados como os hipócritas; porque desfiguram os seus rostos, para que aos homens pareça que jejuam. Em verdade vos digo que já receberam o seu galardão.”
Mateus 6:16

Praticar o jejum não consiste em barganhar com Deus, ele não serve como um sacrifício que eu faço para então Deus ter por obrigação atender o que peço. O jejum muda a pessoa que o pratica e não a Deus, os favores que Cristo nos concede não é porque fazemos algo para merecê-los, mas é pura graça.

Então jejuar não é para sermos vistos como mais santos e espirituais, não é um ritual religioso e nem é para mudar Deus e fazê-lo atender o que peço, então o que seria?


“Tu, porém, quando jejuares, unge a tua cabeça, e lava o teu rosto, para não pareceres aos homens que jejuas, mas a teu Pai, que está em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará publicamente.”
Mateus 6:17,18

Jejuar não é apenas se abster de alimentos, mas também de tudo que tire o foco de Cristo, estar em jejum é estar em oração, num momento de busca intensa por Deus se desligando de tudo que tire seu pensamento de Jesus. O jejum caminha junto com a oração, os dois devem ser praticados neste momento, devemos estar a sós com Deus em oração e súplica.
Estar em jejum não é ficar de barriga vazia vendo tv, com a cabeça cheia dos afazeres de trabalho ou casa, não é fazer qualquer outra coisa que não seja buscar intimidade e aproximação com o Espírito.

A recompensa pública que o texto nos ensina é o fruto do Espírito sendo visto em nós, tamanha é a busca que começamos a expressar Deus em nosso comportamento, atitude e decisões de uma forma mais forte, será visível que a os laços de intimidade com Jesus se estreitaram.

Jejuar é preciso e tem muita importância, não é uma obrigação ou sacrifício, mas um privilégio. Em momento de dificuldade, lutas e provações fazer jejum fortalece nossa fé, tendo a fé fortalecida caminhamos com confiança no poder de Deus descansando em sua soberania, seja o que for que esteja acontecendo ao nosso redor, seja o fim que for que qualquer situação tenha, estamos certos de que Jesus está sempre no controle.

Não é que jejum nos confere poderes de resistir o mal ou combater contra ele, não é o ritual em si, mas sim nossa inclinação em nos afastarmos das coisas desta vida e estar mais conscientes da vontade de Deus, como no caso dos discípulos ao tentarem expulsar um demônio:


“Então os discípulos, aproximando-se de Jesus em particular, disseram: Por que não pudemos nós expulsá-lo? E Jesus lhes disse: Por causa de vossa incredulidade; porque em verdade vos digo que, se tiverdes fé como um grão de mostarda, direis a este monte: Passa daqui para acolá, e há de passar; e nada vos será impossível. Mas esta casta de demônios não se expulsa senão pela oração e pelo jejum.”
Mateus 17:19-21

Jesus ensina que é preciso ter fé e esta fé deve ser praticada e fortalecida, nisso orar e jejuar é o caminho para estar mais intimo de Deus e mais forte. Não é o fato de praticar um ritual religioso de oração e jejum que um demônio e expelido, mas sim diante da autoridade e poder do nome de Jesus e Ele está dentro de todo aquele que ouve sua palavra e faz sua vontade.

Sejamos iluminados pelo Santo Espírito... bom caminho!

Jarivelto Rangel é Teólogo
Administrador e
escritor do Literatura Teológica

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

"Ai de mim!..."


Por Clayton Senziani


"A gente entende que ter a mente de Cristo é estar debaixo de Sua luz. E quem está debaixo da luz de Cristo de verdade a primeira coisa que ele enxerga é a si mesmo. E a única coisa que pode sair da boca é: AI DE MIM!" (Pr Neil Barreto)

“Porque, se alguém julga ser alguma coisa, não sendo nada, a si mesmo se engana” (Gálatas 6.3)

A bíblia nos ensina que devemos avaliar a nós mesmos (1Co 11.28, Gl 6.4). Quando uma pessoa se avalia, quando uma pessoa olha para si mesmo, como citado pelo pastor Neil, a única expressão sincera que ela pode dar é clamar por misericórdia. Quando olhamos para nós mesmos e analisamos, podemos ver o quanto necessitamos do amor e perdão de Deus, compreendemos a verdadeira essência do que é ser cristão. O cristianismo não prega salvação meritória, isto é, salvação por merecimento. Disso todos nós sabemos. E esse entendimento nos mostra como devemos agir em nosso cotidiano, nos aponta para coisas básicas como não se achar maior do que ninguém, por exemplo.

A soberba é uma grande tentação que todos nós sofremos. Não devemos olhar para as pessoas de maneira vertical, mas sim de forma horizontal. As fraquezas do outro incomodam quando são diferentes das nossas, passamos, então, a olhá-las com desprezo. Lamentável... A Palavra nos ensina que o corpo de Cristo só é edificado por meio do amor (Ef 4.15), não por competição. Quando olhamos para o outro com olhar horizontal, passamos a entender que suas fraquezas são como as nossas, assim, fechamos as portas para toda ação maligna de acusação e competição.

Não estamos aqui para competir santidade, mas sim para nos edificarmos em amor. Quando olho pra mim e manifesto-me de forma sincera (Ai de mim!), entendo que sou apenas mais um que carece daquilo que só Deus pode me dar, passo a ser um servo humilde perdoado ao invés de um soberbo cego que caminha para a perdição (Pv 1.32). O Reino de Deus é para os que se arrependem e não para os que se julgam melhores. Que Deus nos guarde do engano!

Clayton Silva Senziani é estudante de teologia
na Universidade Metodista de SãoPaulo

e seminarista atuante na Igreja Metodista em Osasco/SP

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Quero ser mais humano


Por Ricardo Gondim

É curioso como, com o passar dos anos e o aproximar da velhice, nossos valores mudam. Posições que ambicionávamos, conquistas que valorizávamos e pessoas que nos impressionavam, perdem seus encantos. Vamos fechando portas atrás de nós, para euforias juvenis e idealismos inconseqüentes. Já não invejamos o triunfo dos insolentes ou o sucesso dos ufanistas. Hoje, ainda sem ser velho, já consigo sentir indiferença para os sonhos mirabolantes dos messiânicos. Confesso que perdi, inclusive, a vontade de ter a última palavra sobre qualquer assunto e não me empolgo com debates que só dão uma falsa sensação de prestígio.

Esse processo começou, quando enfrentei uma crise, lá por volta dos meus quarenta anos. A própria consciência de que vivia na meia idade, me fez desistir de querer ser herói, conquistador, eleito especial ou semi-deus. E de lá para cá, caminho cada vez mais consciente, que muito dos meus esforços lendo, estudando, trabalhando, madrugando e virando noites, para “não perder tempo”, eram vaidade e correr atrás do vento. Olho para trás e percebo que não foi de minhas poucas conquistas ou dos reconhecimentos humanos, que obtive meus melhores contentamentos. Vieram do amor de minha família e de amigos verdadeiros; gente que não temia partilhar o mesmo jugo que eu.

Assim, fiz alguns ajustes. Redirecionei minha leitura bíblica. Mais do que saber os detalhes exegéticos ou técnicos, ansiei que a Palavra me levasse a uma relação mais íntima com Deus. Reli a Bíblia de capa a capa, procurando o coração paterno de Deus. Dialoguei com pessoas que tratam da Espiritualidade Clássica. Recompus minha vida devocional. Aprendi sobre oração contemplativa e redescobri a meditação bíblica. Devorei alguns clássicos como “A Imitação de Cristo” de Tomás de Kempis, “A Volta do Filho Pródigo” de Henry Nowen, “A Montanha dos Sete Patamares” de Thomas Merton e o “Schabat” de Abraham Joshua Heschel. Eles e outros se tornaram meus mentores nessa nova busca interior.

Talvez, a maior descoberta que faço, nesse tempo que antecede o outono de minha vida, é que minha maior vocação é tornar-me mais humano. Desejo aprender a ser generoso e sereno. Almejo rir, risos contagiantes; quero amar coisas simples e contemplar mais a natureza; saber me deliciar com arte; brincar com crianças, ler poemas e ouvir a melhor música. Preciso ser mais empático com o pobre, acolher o perdido e dar minha mão para o abandonado.

Nessa jornada espiritual, perdi o medo de me desnudar e mostrar vulnerabilidade. Outrora, eu temia a censura daqueles que poderiam se escandalizar com minha fragilidade. Tentei, muitas vezes, impressionar as pessoas com discursos valentes, quando, inseguro, pedia que Deus segurasse minha mão. Receava que algum psicólogo detectasse disfuncionalidades em mim e na minha família. Acreditava que, se alguém diagnosticasse meu envolvimento no evangelho como uma fuga, perderia toda credibilidade. Evitava contatos íntimos, para que as pessoas não notassem que eu não era tão “resolvido”, como demonstrava.

Na mitologia grega as sereias eram criaturas de extraordinária beleza e de uma sensualidade irresistível. Quando cantavam, atraíam os navegantes que não conseguiam pelejar contra seu poder de sedução. Obcecados por aquela melodia sobrenatural, os pilotos arremessavam seus navios contra as rochas da ilha, naufragavam, e as sereias devoravam os tripulantes. Os gregos relatam que apenas dois conseguiram vencer o encanto de inimigas tão terríveis.

Orfeu, o deus mitológico da música e da poesia, encontrou um recurso. Quando sua embarcação aproximou-se de onde estavam as sereias, ele salvou seus parceiros, tocando uma música ainda mais doce e envolvente do que aquela que vinha da ilha. A outra solução foi encontrada por Ulisses. O herói da Odisséia não possuía talentos artísticos. Sem dons, sabia que não vence-ria as sereias. Reconhecido de sua fraqueza e falibilidade, concebeu outro plano. No momento em que sua embarcação começasse a se aproximar da ilha sinistra, mandaria que todos os homens tapassem os ouvidos com cera e que o amarrassem ao mastro do navio. Depois que encarou sua fraqueza e incapacidade de enfrentar as armadilhas das sereias, rumou para a ilha conforme o plano. Do mesmo modo, deu ordem aos tripulantes: mesmo que implorasse para que o soltassem, as cordas deveriam ser apertadas ainda mais. Quando chegou a hora, Ulisses foi seduzido pelas sereias como previra, mas seus marinheiros não o libertaram. Quase louco, pedindo para ser solto, passou incólume pelo perigo. O relato mitológico termina afirmando que as sereias, decepcionadas por haverem sido derrotadas por um simples mortal, afogaram-se no mar. O que salvou Ulisses não foi a percepção de sua superioridade, mas a consciência de sua fragilidade. Ele não tentou enganar a si mesmo. Eu também não quero me iludir com os meus dotes órficos. Dependerei que meus amigos me amarrem aos mastros para não ceder aos cantos sirênicos.

Assim, descanso. Sinto-me livre para afirmar que ainda estou em construção. Sou um projeto inacabado e não escamotearei minhas ambigüidades. Agora, quando me sentir cansado, terei liberdade de desabafar como Jesus: “Ó geração incrédula e perversa, até quando estarei com vocês? Até quando terei que suportá-los?”. (Mateus 17.17) Quando precisar lamentar, lamentarei, igual a ele, quando, triste e angustiado, disse: “A minha alma está cheia de tristeza até a morte”. (Mateus 26.37). Quando tiver vontade de rir, rirei e dançarei de alegria.

Hoje, já não me importo de parecer incoerente ou politicamente incorreto. Dizem que os pensamentos dos anciões tendem ao enrijecimento e que os velhos resistem mudar de opinião. Busco não me engessar, apegado às minhas velhas idéias e indiferente às novas. Quero seguir o exemplo de Jesus que, em nome da vida, não temeu contradizer as rígidas normas religiosas – Mateus 12.2-7; não respeitou os preconceitos sociais, quando conversou com prostitutas e acolheu gentios – Marcos 7.24-30; não teve receios de voltar atrás em sua palavra, para atender uma mulher siro-fenícia – Marcos 7.24-30. Permanecerei alerta para não me tornar um dogmático e faccioso; cego por minha obstinação.

Recuso encarnar o personagem de Álvaro de Campo (heterônimo de Fernando Pessoa) no poema “A Tabacaria”. A experiência do poeta foi acordar do próprio passado, como um pesadelo e perceber que perdeu contato com a sua própria alma. Viveu uma mentira da qual não pôde escapar. Perdido de si mesmo, não se encontrou mais.

“Vivi, estudei, amei, e até cri.
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu...
Fiz de mim o que não soube,
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi no espelho, já tinha envelhecido“.

Anseio por uma humanidade não fingida, que não tenta transformar a mensagem do evangelho em um espelho mágico, que fala o que desejo ouvir. Lerei a Bíblia também contra mim. Permitirei que, como espada, ela penetre no mais profundo de meu ser, discernindo, inclusive, as intenções nebulosas de meu coração.

Atenderei a admoestação do profeta Miquéias (6.8): “Ele mostrou a você, ó homem, o que é bom e o que o Senhor exige: pratique a justiça, ame a fidelidade e ande humildemente com o seu Deus”.

Acredito que vem dele, minha teimosia de acreditar que não precisamos esperar morrer para começar a viver. E como passamos rapidamente, sugiro que comecemos já.

Soli Deo Gloria.

A Religião e suas gaiolas


Por Carlos Moreira

Eu acho curioso quando pessoas ligadas à religião tentam patentear Deus. Sim, eles querem um deus domesticado, alguém que siga conceitos teológicos pasteurizados, costumes dietéticos, um deus que se submeta a convenções, que siga liturgias, que cumpra agendas, que consiga ser explicado, ainda que não possa ser compreendido.

Olhando esta geração, e conhecendo a história do cristianismo, penso que chegamos à última fronteira, não posso conceber algo pior. A igreja contemporânea tornou a idade das trevas medievais um parque de diversões. O que se faz hoje, em nome de Deus, reduziu a inquisição e as cruzadas a histórias de jardim da infância.

No Brasil, o fenômeno religioso-cristão é passível de estudo. Ainda que templos e catedrais estejam lotados, as manifestações de fé são cada vez mais patológicas. A quantidade de gente adoecida por causa de crenças perversas e infundadas é alarmante. A religião tem esse poder: quando não sara a consciência, adoece todo o resto. Se Marx fosse vivo, diria que esse tipo de prática é o “Rivotril do povo”.

O cristianismo brasileiro é, na verdade, uma hidra com muitas cabeças. A igreja de Roma tenta sobreviver à secularização, busca de todas as formas preservar heranças moribundas das práticas ibéricas que submergiram no Velho Continente. A igreja Protestante, por outro lado, é a expressão da perversão, resultado da alquimia que simbiotizou doutrinas judaizantes, positivismo filosófico, costumes das religiões Afro e o pentecostalismo americano do início do século XX. Exceções? Sim, existem, mas pouquíssimas!

Diante deste cenário, resta-nos perguntar: o que nós podemos fazer? Bem, penso eu, nada. Não creio que ação de homem algum, ou de instituição, doutrina, ideologia, métodos ou qualquer outra coisa seja capaz de alterar a situação. A solução não está no que se pode fazer, a partir da Terra, mas do que já está sendo feito, a partir dos Céus! Sim, Deus está se movendo há tempos, nós é que, talvez, ainda não tenhamos discernido.

Um bom observador, contudo, vai perceber que estamos diante de algo muito próximo ao que aconteceu nos dias de Jesus. Naquele tempo, a religião de Israel adoecera de morte. As práticas eram lesivas, o sacerdócio havia se transformado em exercício político, a interpretação da Lei era tendenciosa, o Sinédrio estava corrompido, a fé havia se dessignifcado. A corrupção era tal que o lugar da adoração transformou-se em centro de comércio, impulsionava a Nação. Nada do que se fazia ali tinha significados para Deus, até o perdão tornara-se negó-cio, era vendido e comprado por preço. Tudo tão semelhantes aos nossos dias...

Mas Deus tinha seus próprios planos. Ele irrompeu as tradições, desprezou geografias pseudo-sagradas, ignorou hierarquias, sublevou interesses e enviou João, o batista, para o deserto. Lá, ele pregava o arrependimento e conclamava o povo a mudança de vida, afirmava que o Reino de Deus estava próximo, Reino de consciência e fé, não de aparência e opulência.

Na verdade, o Senhor sabia que Anás e Caifás não se converteriam, que Herodes não se renderia a Graça, nem tão pouco o Sinédrio se sensibilizaria ao Evangelho. Por isso João foi enviado ao deserto, sem Templo, sem utensílios sagrados, sem os rolos da Torá, sem lugar para sacrifícios, sem liturgias, sem levitas, sem nada que não fosse o Espírito Santo, a Voz do que clamava no deserto! Nós sempre imaginamos que a solução para tudo está do “lado de dentro” da igreja, mas Deus, não raro, começa agindo no deserto, do “lado de fora”!

Dali por diante, quebrados os paradigmas, o Galileu foi “destruindo” o que encontrou pela frente, mitos foram caindo, um por um. Ele afirmava as multidões: “Ouvistes o que foi dito aos antigos...” e expunha os preceitos caducos da Lei. Em seguida, todavia, afirmava com autoridade: “Eu, porém, vos digo...”, e dava novo significado a tudo. Com leveza, o Evangelho foi sendo fecundado no coração das pessoas e os simples de coração puderam entendê-lo.

A igreja cristã brasileira pensa ser proprietária da fé em Jesus. Católicos e Protestantes se arvoram como legitimadores do Evangelho. Trancafiados em suas “gaiolas”, imaginam que o Senhor juntou-se a eles. Engano. Deus é claustrofóbico! Saiu da “arapuca” faz tempo. Aqueles que ainda enxergam e são honestos sabem que o “sistema” está condenado! Sim, há muita gente boa na Instituição-Igreja, gente de Deus, mas a luta deles é inglória, não há como salvar aquilo que já nasceu condenado. A igreja de Jesus triunfará! A dos homens, não...

É tempo de perceber o que o está acontecendo! Milhares começam a surgir, de todos os lugares, filhos da Esperança e da Graça, e esses não estão vinculados a nada, são apenas pessoinhas do bem, gente de coração singelo e boa consciência, sem tradições, sem liturgias, credos ou dogmas. Eles vão por aí, estão em pequenos grupos, em ajuntamentos informais, comunidades livres, partem o pão, falam com Salmos, sensibilizam-se com as dores das pessoas, comprometem-se com ações que promovam a dignidade humana e a preservação do Planeta.

O que posso lhe dizer, depois destes mais de 30 anos caminhando com Jesus, é que “O vento sopra onde quer. Você o escuta, mas não pode dizer de onde vem nem para onde vai”. Há, novamente, muitas vozes que clamam no “deserto” e elas estão anunciando o arrependimento e a Salvação. Algo está se movendo, cada vez mais veloz, o Vento está soprando, livre e leve, portanto, discirna para onde está indo e siga junto com ele.

© 2015 Carlos Moreira

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